Com inadimplência recorde entre empresas e consumidores, crédito caro e contratos complexos se tornam obstáculos decisivos para a sobrevivência dos pequenos negócios
O ambiente financeiro brasileiro continua pressionando empresas e consumidores. Dados da Serasa mostram que o volume de pessoas inadimplentes cresceu mês a mês em 2025, saindo de 74,6 milhões em janeiro para 78,8 milhões em agosto. A escalada reduz o consumo, esvazia o caixa das empresas e afeta diretamente a capacidade de pagamento do setor produtivo.
Paralelamente, o número de CNPJs negativados atingiu 8,1 milhões, o maior nível da série histórica. Em janeiro, eram 7,1 milhões. Com cerca de 24,5 milhões de empresas ativas no país, quase um terço delas convive com algum tipo de restrição financeira. A combinação entre queda no ritmo de consumo, endividamento generalizado e crédito caro empurra negócios para o limite.
A trajetória da taxa básica de juros é um dos componentes centrais dessa pressão. A Selic passou de 2% em 2020 para 15% em 2025. Mesmo com cortes recentes, projeções apontam que ela deve encerrar 2026 próxima de 12%. Para o empresário, esse movimento encarece renegociações, amplia o custo das linhas emergenciais e dificulta a reorganização do fluxo de caixa.
Para o advogado empresarial Pedro Galinari, que atua exclusivamente com empresários em situação de risco financeiro, o problema costuma começar antes da inadimplência aparecer. Ele afirma que muitas empresas chegam ao banco sem um diagnóstico preciso do passivo, sem cálculo atualizado da dívida e sem entender como as taxas se comportaram ao longo dos anos. “A negociação já nasce fragilizada quando o empresário não tem clareza do que está contratando ou renegociando. Sem números confiáveis, qualquer decisão vira uma aposta”, avalia.
A complexidade dos contratos bancários reforça esse desequilíbrio. Operações comuns entre pequenas e médias empresas, como capital de giro, antecipações e linhas rotativas, carregam encargos que se acumulam rapidamente. A variação da Selic altera toda a dinâmica do contrato, encurtando prazos e elevando o custo final das operações. Quando a empresa já opera com margem apertada, esse movimento tende a se converter em atraso.
O impacto aparece com força nos setores de serviços, bancos, cartões e financeiras, que concentram a maior parte das dívidas empresariais. Ao mesmo tempo, a alta inadimplência das famílias ajuda a explicar o enfraquecimento da demanda. O consumo, que representa mais de 60% do PIB brasileiro, perde ritmo quando quase 80 milhões de pessoas estão negativadas.

Galinari observa que, no dia a dia, muitas empresas buscam crédito adicional para cobrir lacunas de caixa, mas acabam contratando operações sem avaliar a sustentabilidade do pagamento. Em alguns casos acompanhados pelo escritório, revisões técnicas revelaram diferenças significativas entre o valor devido e o que estava sendo cobrado. Ele cita um caso em que uma dívida superior a 700 mil reais, quando reavaliada com base em taxas históricas e na composição contratual, foi renegociada por 12 mil reais. “Quando você olha a operação de forma técnica, percebe que muitas empresas estão pagando por encargos que não conseguem identificar sozinhas”, comenta.
O cenário atual indica que 2026 tende a manter a inadimplência em níveis elevados. O crédito continuará restrito, a margem de investimento deve permanecer reduzida e a volatilidade típica de anos eleitorais pode adiar decisões estratégicas. Segundo Galinari, a resposta passa por reorganização jurídica e financeira. “As empresas que tratam a dívida apenas como um número não conseguem reverter a situação. É preciso entender a estrutura, revisar contratos e olhar para o negócio como um todo. A saída está no planejamento, não na improvisação”, afirma.
Para empresários que convivem com esse cenário, a orientação recorrente é investir em diagnóstico, revisar contratos bancários com rigor técnico, renegociar com base em séries históricas e construir previsibilidade financeira para atravessar períodos prolongados de juros altos. A ausência desses elementos, segundo Galinari, é o que leva tantas empresas a “quebrar na mesa do banco”.
